Álbum de Retratos

Invento-vos como sois (Bergson), mas o essencial de vós escapa aos enquadramentos.


(Imagem : Adama)

Silvana


Meninas crescidas #1

 Aos 57 anos Silvana renasceu. Ao último toque da manhã fechou o livro num discreto gesto decidido e fez deslizar um olhar terno e desprendido pelos seus alunos do 4.º ano, que aos poucos iam abandonando a sala de aula. A professora parecia conhecer-lhes a alma de cor e deliciava-se com os detalhes de cada um. Mas nada disto a faria deter. Avistavam-se novos horizontes. Ainda havia a casa para pagar – está certo - e a sorte a conquistar. Nesse dia Silvana resolveu comprar um chapéu preto (convenhamos: dava-lhe um certo glamour) e foi à casa de banho do restaurante passar batom nos lábios delicados  - ela que raramente usa batom! Pressionou-os para logo os soltar, dando-lhes deste modo um reforço acrescido, e realçou o mar dos olhos. Trata as linhas da vida traçadas na pele com respeito e cordialidade. Achou-se bem. Voltaria a ter mais tempo para ler e escrever, até já sentia o fervilhar de um romance. Passaria a saber dizer “não” e a responder mais tarde aos emails. E foi nesse mesmo dia de tomadas de decisões -quando ao final da tarde folheava um livro de poesia numa livraria da baixa - que, ao levantar os olhos do livro, se apaixonou. Nela a paixão nunca foi gradual. Era qualquer coisa como um reconhecimento súbito e arrebatador. Não sabia se aquela febre seria coisa de dias, anos, meses ou eternidade, mas aceitou o convite para jantar, uma ida ao cinema, um passeio à vila de Sintra...Depois beijou: com o fulgor da primeira vida.


- Verónica Louise