Invento-vos como sois (Bergson), mas o essencial de vós escapa aos enquadramentos.
(Imagem : Adama)
ALFA, O RAPAZ QUE A PEDALAR FAZ INVEJA AOS PÁSSAROs
Chama-se
Pedro Miguel e é um gajo normal. Nem rastas, nem piercings,
nenhuma tatuagem, sweatshirt
e calças de ganga, uma namorada de cabelo farto, mas sem destaque de
maior, a sua cadela é gira, mas rafeira ea
vida vai andando
assim-assim. Veio de um meio de gente direita, de uma nobreza toda
interioridade, sem
ostentações. Cresceu rodeado de pessoas moderadas e sempre ouviu a
mãe dizer que devia aprender a alegrar-se com o que tinha – que
era muito, a comparar com tantos meninos a quem falta o abrigo e o
pão. Este mote tornou-se na vida do rapaz uma espécie de mealheiro
de louça onde foi depositando energia para superar limites e ir mais
além. Mealheiro esse que não hesitou em quebrar, logo que pôde,
com total convicção. Agora Pedro tem uma profissão “normal”
com um horário fixo, férias e feriados graças à qual pode comprar
as bicicletas mais sofisticadas, o equipamento topo de gama cuja
marca nele ganha verdadeira raça e reluz. Tanto assim que é
conhecido por Asinhas,
mas o seu nome secreto é Alfa,
o rapaz que a pedalar faz inveja aos pássaros, percorre como uma
flecha os trilhos difíceis e íngremes da serra, ainda os amigos
estão no início de uma subida já ele tocou com um dedo o Sol e não
resiste a recorrer a saltos temíveis quando um arrepio de temor e
fascínio o invade da cabeça aos pés. Há tempos a namorada – com
um desassossego crescente nos olhos – começou a reclamar atenção.
Com um sorriso prestes a desfazer-se, Alfa
pensou quanto seria maravilhoso se ela estivesse com ele, mas cedo
aprendeu que obstáculos e caminhos tortuosos são só alavanca e
trampolim.