Marcelo
Virou
as costa ao passado breve: despiu a T-shirt, os calções, enfiou os
chinelos. Decidiu não ir ao ginásio aquela hora. Retirou uma garrafa de água fresca do
frigorífico e bebeu a frescura. Estendeu-se a todo o comprido na cama
larga. Deixou o vento deslizar-lhe na pele. A luz enternecia. Dizia-o o
assobio dos pássaros acima do burburinho da cidade que se descalçava de
afazeres quotidianos. Estavam prestes a reacenderem-se as três estrelas
que se viam da janela,tão frequentes nas noites de Verão. A aragem ia
ganhando recorte na medida do silêncio que se impunha. Apreciava isto de
uma forma quase excessiva. Nem mesmo sabia verbalizar um privilégio tão
intimo. Se tivesse filhos, aquela hora, andaria, provavelmente, a
correr com eles atrás de uma bola ou em cuidados, ao ponto de perder a
agudeza para estes pormenores. Neste espaço de si, volta a desenhar
Sara. Nos três dias que esteve com ela parecia perfeita nas coisas que
um homem quer. Não entendia a atração que sentiu por ela. Aquilo era
coisa de pele. Um encaixe espontâneo, uma vontade vigorosa. Quando a viu
pela primeira vez foi como se a estivesse, por fim, a rever. Quando
achava que a tinha, ela escapou-se-lhe como peixe viscoso por entre as
mãos, sem deixar rasto, sem mais. Ainda havia nele um hálito daquela
mulher. Só se revivem assim as histórias inacabadas. Sara entrou nele de
uma forma suave como sol de inverno, deslizou como água, dava ares de
vulnerabilidade e escondia um vulcão. Voltará a encontrá-la? Antes dela,
Gina. Linda, com lábios de causar sensação. Mais óbvia em tudo,
afirmativa,com uma vontade incansável de se dar, mas ao fim de seis
meses de namoro precisou libertar-se dela como alguém que se despe de um
espartilho apertado. Não soube arranjar uma justificação para aquela
que tudo precisava entender. Ainda não desistira de o reconquistar. E de
entender.
“Podíamos
ser amigos”, dizia ele, nu, ao ouvido de Sara, naquela cama, há uns
dias atrás: “ amigos de sexo”. Ela mostrou um sorriso ambíguo e voltou a
beijá-lo. Hoje acreditava que mesmo sem sexo, poderiam ser amigos pelo
seu jeito de ser e pelo que dizia. Talvez por que no espaço em que ela
não é percetível, acreditava, “ingenuamente”, numa certa perfeição. Não
é a mulher que se ama, é um certo efeito de luz e de cor;o perfume, a flor. O mistério misturado com gestos concretos e
desimpedidos, fazem o fermento da vida...